Nova Safra de diretores espanhóis ganha o mundo com blockbusters, mas coloca o cinema do país na encruzilhada entre Hollywood e as produções autorais
Desde o fulminante sucesso de Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), Pedro Almodóvar tornou-se sinônimo de cinema espanhol para espectadores de todo o planeta. Ícone da tela grande ao lado de Bigas Luna da “Movida” Madrilenha - um dos principais movimentos de renovação cultural dos anos 1980 –, Almodóvar conquistou um raro status dentro e fora de seu país. Lançado com pompa na Cidade do Cinema, complexo da indústria do audiovisual nos arredores de Madri, Los abrazos rotos, a mais recente produção do diretor, estrelada por Penélope Cruz, foi recebida com frieza pela imprensa e tampouco lotou as salas de exibição espanholas, como aconteceu com Volver, o filme nacional mais assistido de 2007.
Criticado pela repetição de fórmulas em seu último filme, o longo reinado de Almodóvar, precedido por Carlos Saura e muito antes por Luis Buñuel, lança dúvidas sobre o futuro do cinema espanhol. Há ou não uma nova safra de diretores em ascensão no país? “O fato é que vivemos um momento de crise criativa em nosso cinema”, assinala o crítico de cinema Eduardo Moyano, ex-diretor da Rádio Exterior de Espanha.
Um sintoma desse fenômeno pode ser sentido na bilheteria. As três produções com dinheiro espanhol de maior sucesso do ano passado são faladas em inglês e, com exceção de Os crimes de Oxford, de Alex de la Iglesia, as demais são obras de diretores norte-americanos: Vicky, Cristina, Barcelona (Woody Allen) e Che, el argentino (Steven Soderbergh).
De fato, nos últimos anos, os diretores de maior projeção no exterior têm optado por um modelo de cinema mais “holywoodiano”. De la Iglesia, famoso por blockbusters como El día de la bestia (1995) e La comunidad (2000), trabalha agora em La marca amarilla, uma adaptação dos quadrinhos estrelada pelo inglês Keneth Branagh. A grande revelação dos últimos tempos, Alejandro Almenábar (Oscar de filme estrangeiro em 2004 por Mar adentro e autor de Os outros, com Nicole Kidman, de 2002), também abraçou as produções multinacionais. Estreia em outubro, na Espanha, seu próximo filme Ágora, rodado na ilha de Malta com inspiração no mundo grego antigo. Os atores mais populares da atualidade, Penélope Cruz e Javier Bardem, também passam mais tempo em Los Angeles que na própria Espanha. “Fazer filmes em outros países tem seu lado positivo, mas, com isso, acabamos perdendo ópria identidade”, lamenta Moyano.
REVELAÇÕES - Seria injustiça, no entanto, não reconhecer o surgimento de um novo grupo de realizadores de boa qualidade. Um dos autores mais premiados na Espanha, atualmente, é Jaime Rosales, aclamado em Cannes em 2007 por Las horas del día e vencedor do Goya – o Oscar espanhol – de Melhor Direção por La soledad (2007). No ano passado, provocou polêmica no Festival de San Sebastián com Tiro en la cabeza, retratando os bastidores do terrorismo no País Basco. Este ano, Rosales está de volta às telas como produtor do drama existencialista A árvore, de Carlos Serrano Azcona.
Entre as novas caras do cine espanhol, destaca- se também Isabel Coixet, com os elogiados Mi vida sin mí (2003) e La vida secreta de las palabras (2005). A diretora estreia em agosto El mapa de los sonidos de Toquio, rodado no Japão. Outro autor que vem ganhando projeção é Chus Gutiérrez, atualmente em cartaz com Retorno a Hansala, que retrata o drama dos imigrantes africanos arriscando a vida para desembarcar ilegalmente na costa espanhola. Ainda na lista de revelações, está outro filme de caráter social: El truco del manco. O filme, que conta a história do rapper defi ciente físico El Langui, rendeu a Santiago Zannou o Goya de melhor diretor estreante.
Representando o establishment da indústria cinematográfi ca, o Goya, este ano, apostou todas as suas fi chas em Camino, merecedor de seis estatuetas, entre elas a de Melhor Filme e Direção para Javier Fesser. Destinado ao grande público e abusando um pouco do dramalhão, o filme tem o mérito de abordar um tema sensível à sociedade espanhola: os bastidores da Opus Dei, o que certamente atrairá espectadores no exterior. A aclamação de Camino acabou ofuscando uma das melhores produções recentes, Los girasoles ciegos, do veterano diretor José Luis Cuerda – ambientado durante a guerra civil espanhola –, que promete agradar à audiência internacional mais sofi sticada.
Na encruzilhada entre Hollywood e o cinema de autor, a Espanha busca um novo modelo enquanto vê o público minguar ano a ano nas salas de exibição. Moyano acredita que alguns gêneros, como o de terror fantástico, têm potencial para atrair o público jovem, a exemplo de sucessos como Orfanato (José Antonio Bayona, 2007), REC (Jaume Balagueró e Paco Plaza, 2008), ou La casa de Fermat, (lançado neste ano pelos ña).
Depois de muita experimentação, Almodóvar definiu seu próprio destino autoral no lançamento de Los abrazos rotos: “Quero me dedicar cada vez mais a um gênero que foi muito distorcido pela televisão e que merece uma abordagem mais contemporânea no cinema: o melodrama”. Mais espanhol, impossível.
* Fonte: Revista da Livraria Cultura
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Olha o que os finos e fofos disseram